Além de compreendermos o
processo do corpo historicamente como mostrado no texto anterior, é
necessário compreender também como ocorreu a história da alimentação e como
esta contribuiu no que se refere ao excesso de peso.
A falta esteve presente em
muitos momentos da história, como por exemplo, na Idade Média, por conta da
peste negra ocorrida na Europa Ocidental, na qual a fome esteve presente de
forma devastadora. Dessa forma, a gordura passa a exercer um papel
compensatório em nossa sociedade.
Segundo Freire (2011, P.454)
“O passado colonial brasileiro revela uma “história de gente gorda”, em que a
gordura era sinônima de formosura, tornando-se a base de sustentação para que a
barriga do burguês viesse a significar status
e prosperidade.”
O estudo sobre a comida e a
forma de se alimentar deu inicio com a segunda geração da Escola dos Annales,
movimento historiográfico fundado por Lucien Febvre e Marc Bloch, na qual a
comida era percebida como um dos aspectos importantes relacionados a
sobrevivência humana, juntamente com a habitação e o vestuário, passam a ser
vistos como manifestações sócio-culturais de uma época. No que se refere à
alimentação, percebem o compartilhar como forma de transmissão de valores, na
qual “o que se come é tão importante quanto, quando, onde, como e com quem se
come.” (FREIRE, 2011, p.455)
Já a história do restaurante
está relacionada com o bem estar, a partir do momento que tem sua origem em
pequenos estabelecimentos, com a finalidade de cuidar da saúde através da venda
de sopas restauradoras, que eram servidas as pessoas enfraquecidas, daí o nome
restaurante, de restaurar.
Outro fator importante
encontrado em relação ao ato de comer refere-se a função de compartilhar afetos
e costumes. A partir do momento em que a família se reúne em torno da mesa, a
transmissão de costumes e a preservação de uma cultura acontecem, a partir daí,
a crença de que a cozinha é a melhor parte da casa passa a existir.
O encontro que antes ocorria
no momento da refeição passa a ser um evento raro. A pressa, fruto dos tempos
pós-modernos passa a influenciar na maneira das pessoas se relacionarem com a
comida e com a forma de comer. Aliado a isso, os fast foods passam a fazer parte do hábito alimentar do brasileiro (FREIRE,
2011).
As mudanças ocorridas nos
padrões alimentares passam a olhar para o excesso de peso como uma epidemia
global, sendo responsável por algumas doenças crônicas e a invalidez, mas vale
considerar também os fatores causadores do desequilíbrio na pessoa, que são
eles: genéticos, ambientais e patológicos.
De acordo com Freire (2011,
p.459) “Entende-se que obesidade seja a situação em que o individuo apresenta
uma quantidade de gordura maior do que a considerada normal”, lembrando que os
padrões do que é normal e patológico estão em constante transformação. A OMS
(Organização Mundial de Saúde) passou a considerar a obesidade como doença a
partir de 1975 e para calcular se uma pessoa é obesa, a OMS escolheu o critério
do Índice de Massa Corporal (IMC), no qual se calcula através da divisão do
peso do corpo (kg) pela altura ao quadrado (m²); observando que quanto mais
alto o IMC, maior é o risco de doenças. Sua classificação é feita da seguinte
forma:
ü 18 a
24,9 - peso saudável (obesidade ausente);
ü 25 a
29,9 - grau de risco moderado (sobrepeso);
ü 30 a
34,9 - grau de risco alto (obesidade grau I);
ü 35 a
39,9 - grau de risco muito alto (obesidade grau II);
ü Acima
de 40 - grau de risco super alto (obesidade grau III – mórbida).
De acordo com os dados
levantados pela SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica),
51% da população brasileira está acima do peso, desse número, 3% são obesos
mórbidos e 66% tem idade entre 18 e 25 anos. Esses dados mostram que a
obesidade é um problema de saúde pública, não só visto como uma questão de
estética. (FREIRE, 2011)
Freire (2011, p. 462) aponta
que “A obesidade resulta de uma completa desordem do apetite e do metabolismo
energético; por isso, é necessário ensinar a criança a se nutrir e não
induzi-la a preencher vazios internos com comida”. Além de ensinar a criança a importância
de uma alimentação saudável, existe a necessidade de um treinamento no reconhecimento
das emoções, pois tanto adultos quanto crianças, principalmente crianças, tem
dificuldades em reconhecer as emoções e relacioná-las com os pensamentos.
(BUNGE, GOMAR, MANDIL, 2012)
Fatores que também acabam
gerando um desiquilíbrio em relação a forma de comer está associado a falta de
práticas físicas e ao frequente uso da televisão - eu incluiria também o uso do
computador em excesso. Percebe-se a importância do ambiente nesse processo,
pois as áreas de lazer estão cada vez mais escassas nos centros urbanos. Além
disso, os pais acabam valorizando uma educação baseada no ter em detrimento do
ser, que acabam favorecendo a um desequilíbrio alimentar. Os hábitos
alimentares são aprendidos no seio familiar, ou seja, a família serve como
modelo que será levado até a fase adulta. TOZATTO apud FREIRE abordando o conceito de “geracionalidade” no que se
refere aos transtornos alimentares aponta que:
“(...)
tais desordens podem ter um histórico calcado em um legado transgeracional.
Nesse sentido, a família pode ser vista como um envelope psíquico, que inscreve
a criança em uma cadeia geracional. Quando a transmissão de valores se dá no
positivo, é chamada de legado geracional, que propicia o encadeamento da
dinâmica da vida, sem omissões ou segredos, permitindo, que se de a importante
apropriação da trama familiar. É a partir daí, então, que o individuo pode
passar a ser Sujeito da sua própria história. Por outro lado, quando se esbarra
em impedimentos e em traumas familiares, que trazem em si segredos, lutas,
perdas ou vergonhas, o legado é chamado transgeracional, ficando encriptado e
podendo chegar à geração seguinte em forma de fantasma. A ‘geracionalidade’ no
modo como os membros da família se relacionam com o alimento, o qual, de acordo
com premissa máxima, é uma forma de afeto.” (2011, p. 465)
Dessa forma, o que não é expresso
ou compreendido claramente pode se manifestar através do corpo. Miller (2011,
p. 24) afirma que:
O
corpo é o guardião de nossa verdade, porque carrega em si a experiência de toda
a nossa vida e cuida para que consigamos viver com a verdade de nosso
organismo. Ele nos obriga, com ajuda dos sintomas, a admitir essa verdade, inclusive
de forma cognitiva, de modo que possamos nos comunicar harmonicamente com a
criança um dia maltratada e humilhada que vive em nós.
Os dados históricos vistos
até o presente momento facilitam uma melhor compreensão de como este se
relaciona com a história individual de cada um. Já nos dias atuais, com a
importância pautada no ter, a mídia passa a influenciar na forma de consumo das
pessoas. Tal consumo acaba sendo associado à obesidade, a partir do momento em
que as pessoas buscam suprir suas faltas através dos excessos, levando cada vez
mais a comportamentos compulsivos. Freire (2011, p. 465) aponta que “O momento
tem a marca registrada dos excessos, e as doenças atuais são o reflexo dessa
tendência ao exagero (...)”. E os excessos acabam apontando para uma falta de
limites, que está associada a uma característica da vida atual.
Em relação aos sentimentos,
nota-se que existe um tabu ao lidar com os sentimentos considerados desagradáveis,
com isso, ocorre uma dificuldade em reconhecer e encontrar meios de lidar de
maneira adaptativa na vida. Ligado a isso, o contato com vínculos estáveis,
favorece a resiliência, que está ligado a forma do individuo superar as adversidades,
que ocorrem de forma continua durante a vida. Se não existe o contato com
vínculos estáveis, os fatores de risco aumentam. Nesse sentido, podemos
compreender que o excesso de peso ocorre da seguinte forma: “o obeso tenta
preencher o vazio com alimento, em uma tentativa insaciável de aplacar a
angustia, em vez de atravessá-la” FREIRE (2011, p. 473).
Associando a importância de
vínculos positivos com o ato de alimentar-se, Freire destaca que:
Acreditando
que o alimento é uma forma de afeto, é possível entender que alguns desenvolvam
uma relação doentia com a alimentação, exatamente pela impossibilidade de bem
decodificar as mensagens, eventualmente duplas, que tenham recebido em sua
primeira infância (2011, p.470).
Diante
do que foi apresentado até o momento, é possível perceber que não existe uma
única causa para o excesso de peso, podem estar associadas a influências
socioculturais e emocionais. Não esquecendo também dos fatores genéticos e psicopatológicos
que podem desencadear o sobrepeso e/ou a obesidade.
Atualmente, por mais que
existam publicações a respeito do tema, as pessoas buscam áreas isoladas para
resolver o problema do emagrecimento. No entanto, a resposta para essa questão
está na interação entre profissionais de variadas áreas - medicina, nutrição,
educação física e psicologia - para que o resultado seja realmente eficaz e
duradouro.
Nesse sentido, vale
ressaltar que o objetivo do presente trabalho é apresentar alguns temas
importantes na área da psicologia sob a ótica da terapia cognitivo-comportamental
que devem ser levantados em programas cujo objetivo seja o emagrecimento.
No
texto a seguir, abordarei informações sobre a construção da teoria e prática
da terapia cognitivo comportamental (TCC).
Parabéns Drª Soraya, seu artigo está conciso, claro e objetivo e bem embasado teóricamente, entretanto não posso deixar de ressaltar que promove um certo "quê" de suspense no tom argumentativo o que é extremamente positivo e gera o desejo de continuar a leitura e aguardar o próximo artigo.
ResponderExcluirFicarei aguardando o livro que seguirá o blog.
Boa Semana!!!