A análise transacional (AT) surgiu nos anos 50 fundada por Eric Berne, numa época em que o mundo passava por grandes mudanças conceituais e tecnológicas, muitas delas ainda reflexo da Segunda Guerra Mundial. Como em outras linhas teóricas, a Análise Transacional vem de uma força da época chamada psicologia humanista, que tinha a preocupação de rever conceitos anteriores da psicologia, no qual se encontravam a psicanálise e o comportamentalismo como principais abordagens, que apenas compreendiam o sujeito como produto do meio familiar e social, sem valorizar a responsabilidade, autonomia e escolha do sujeito. (Ginger; Ginger, 1995)
Ao definir a análise transacional, Berne (2007) coloca que:
“A análise transacional é uma teoria da personalidade e de ação social e um método clínico de psicoterapia, baseado na análise de todas as possíveis transações entre duas ou mais pessoas, com base em estados de ego especificamente definidos, num número finito de tipos estabelecidos.” (p.32)
O principal interesse da AT é estudar os estados de ego, que para Berne “(...) são sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões de comportamento correspondentes” (Berne, 2007:25).
Esses estados de ego são representados pelo Pai (construído durante a formação da criança sendo, portanto uma contribuição das figuras parentais), Adulto (estado desenvolvido a partir das próprias experiências e das de outrem que são utilizadas para refletir sobre o “real”, colocando o “racional” em evidência) e Criança (estado que evidencia a tomada de decisões baseada nas próprias percepções, emoções e no comportamento do outro – imitação – sem, contudo ser essa conduta uma desqualificação para seu comportamento).
“Aqui o ego é entendido de maneira como é definido pela teoria psicanalítica. Não deve, entretanto, ser confundido com Ego, Superego e Id. Os estados de ego são modos de atividades do ego, cada um deles adaptado de forma única aos diferentes tipos de situações.” (STEINER, 1968:61)
Ao falar de AT, é importante abordar a teoria dos scripts e os jogos. A teoria dos scripts faz parte desde o início do surgimento da teoria da AT, quando Berne ainda se utilizava dos métodos psicanalíticos em seu trabalho clínico individual, fazendo uso do divã. Berne acreditava que os scripts eram repetições compulsivas e percebeu que o trabalho em grupo seria mais válido ao facilitar a descoberta de novas informações sobre esses scripts. Sua análise visava reviver novas situações na vida da pessoa, possibilitando sua autonomia. (Steiner, 1976)
De acordo com Berne,
“Toda pessoa possui um plano de vida pré-consciente ou script, através do qual estrutura planos mais longos de tempo – meses, anos ou toda uma vida, preenchendo-os com atividades, rituais, passatempos e jogos que levam adiante o seu script, dando-lhe satisfação imediata comumente interrompida por períodos de isolamento e, às vezes, episódios de intimidade.” (2007:36)
E para falar dos jogos, é importante ressaltar que este ocorre nas relações ou, como visto na AT, nas transações, que podem ser divididas em complementares, cruzadas e ulteriores. Essas transações ocorrem na comunicação feita de um estado de ego para outro ou outros.
Na transação complementar, a comunicação ocorre de forma paralela, ou seja, de/para: Pai/Pai, Adulto/Adulto ou Criança/Criança. Na transação cruzada, ocorre uma falha na comunicação, no qual um dos sujeitos, de repente muda do estado de ego que está para outro. Já na transação ulterior, a comunicação não fica clara para o Adulto. Quando algo é dito, pode haver outros significados por trás do que foi falado. (Goulding; Goulding: 1991)
Os jogos são uma série de transações complementares e ulteriores, que vão sendo incorporadas na infância. Desde cedo, a criança tem contato com os jogos feitos na família de origem e segundo Berne,
"Um jogo é uma série de transações complementares que se desenrolam até um desfecho definido e previsível. Pode ser descrito como um conjunto repetido de transações, não raro enfadonhas, embora plausíveis e com uma motivação oculta." (BERNE, 1977:49)
Esses jogos envolvem uma isca e ocorrem repetidamente com um desfecho pré determinado, no qual a pessoa faz uma coisa, quando na realidade quer fazer outra. De acordo com Berne (2007:35) “Esta só funciona, (...) se houver uma fragilidade na qual possa enganchar, (...) como medo, a ganância, o sentimentalismo ou a irritabilidade.”
Análise Transacional, como uma técnica psicoterápica, tem algumas características que se debruçam sobre linguagem, responsabilidade e conceitos como: Permissão, Proteção e Potência.
A AT estabelece como princípio de trabalho a utilização de uma linguagem compreensível e acessível às pessoas. Acredita que dessa maneira, possibilitando o acesso do paciente a todos os aspectos do pensamento do terapeuta relacionado com o tratamento, permitirá que as modificações de comportamento do paciente possam ocorrer de forma mais eficaz. (STEINER, 1968)
Na Análise Transacional o paciente ocupa um lugar de responsabilidade em razão desta técnica entender que as ações tomadas pelo sujeito são oriundas de suas próprias decisões, o que lhe faculta as rédeas de sua vida e consequentemente a responsabilidade de seus eventuais distúrbios. Nessa relação terapêutica, estabelecida entre paciente e terapeuta, este último também é visto como alguém que deve assumir responsabilidades no que se refere às atitudes que tenha em relação ao paciente. Esse ponto de vista, em que paciente é responsável por suas atitudes e o terapeuta pelas ações que visam curar ou modificar estados caracterizados como indesejáveis pelo paciente, é que faz com que a AT seja “(...) considerada como uma forma contratual de tratamento (...)” (STEINER, 1968:61-64)
Já no conceito de permissão o terapeuta assume um papel diretivo; a proteção é uma consequência lógica dessa permissão já que o terapeuta passa a apoiar temporariamente o paciente, que se encontra em estado de ansiedade e de vacuum existencial oriundos do “descumprimento” das “indicações parentais”; a potência traz em si o comprometimento do terapeuta em curar e tomar as atitudes necessárias para que essa cura possa se dar (confrontando, pressionando e/ou acolhendo o paciente, segundo a necessidade do momento).
Dessa forma, a AT desenvolve no indivíduo a possibilidade de desmontar o "quebra-cabeça", aqui denominado como script, e remontá-lo a seu próprio modo, libertando-se de “amarras” psicológicas e fornecendo ao cliente a liberdade necessária para alcançar o sucesso e desenvolver todas as suas potencialidades. Por mais amargo que possa parecer, deixou claro que grande parte da humanidade passa toda a vida “andando em círculos” e retornando ao ponto de partida. A Análise Transacional é sem dúvida uma ferramenta de transformação humana, individual, quanto à pessoa, e coletiva quanto à sociedade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BERNE, E. O que você diz depois de dizer olá. (2ª edição). São Paulo: Nobel, 2007.19-37.
________. Os jogos da vida. (3ª edição). Rio de Janeiro: Editora Artenova S.A., 1977. 19-60.
GINGER, A. GINGER, S. Gestalt uma terapia de contato. (4ª edição). São Paulo: Summus Editorial, 1995. 93-96.
STEINER, C. Os papéis que vivemos na vida. Artenova. Rio de Janeiro, 1976. 14-34.