domingo, 30 de junho de 2013

Além das técnicas da terapia cognitivo-comportamental

No texto anterior falei sobre a terapia cognitivo-comportamental. Mas a abordagem não para por aí, existem muito mais informações a respeito dela. É uma abordagem rica e  que apresenta um resultado muito positivo no trabalho clínico. Diante disso, resolvi me estender um pouco mais e compartilhar com vocês esse texto que faz parte da minha monografia de conclusão de curso na especialização clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental com ênfase em neurociência realizada no CPAF/UCAM RJ.
Muitos pensam que a TCC - terapia cognitivo-comportamental - é um amontoado de técnicas, de certa forma estão até certos, pois existem uma variedade de recursos disponíveis, mas não para por aí, não basta conhecer as técnicas e saber aplicá-las, é preciso estudo e aprimoramento constante por parte do profissional. Dessa forma, iniciando qualquer técnica na abordagem cognitivo-comportamental, é necessário que antes, o cliente perceba que ele, através de seus pensamentos disfuncionais é o responsável pelos problemas apresentados e não os outros como acontece na maioria das vezes. É muito comum jogarmos a responsabilidade para fatores externos (MCMULLIN, 2005).
            No primeiro encontro com o cliente é possível trabalhar essa questão através da técnica do A-B-C criada por Albert Elis. No qual, o “A” representa a situação e o “C” representa a consequência, ou seja, as emoções e os comportamentos. Essa é uma maneira universal de pensamento, mas é uma forma equivocada de pensar, pois o mundo externo não tem poder sobre nós. O responsável por nossos sentimentos está relacionado à nossa forma de pensar. Por isso, entre o “A” e o “C”, existe o “B” que representa nossas crenças que estão associadas à maneira de pensar, que podem ocorrer através de imagens, percepções, interpretações e fantasias (MCMULLIN, 2005).
            Parece fácil, mas nossos pensamentos são influenciados por um número extenso de processos internos, que muitas vezes já existem antes mesmo da situação “A” acontecer. Nossa maneira de perceber o mundo é um deles. Como falamos anteriormente, desde a infância vamos adquirindo uma série de aprendizagens que vão virando regras pessoais. Tais regras orientam nossas expectativas em relação a nós mesmos, ao outro e ao mundo. Quando estas expectativas estão fora da realidade, ocasiona um adoecimento, pois muitas vezes ou são inatingíveis ou viram obrigações na vida do individuo.
Outro ponto a levantar está no que o individuo acredita ser capaz de realizar, ou seja, sua autoeficácia.  Eficácia essa que precisa estar em equilíbrio, nem baixa e nem alta demais, se não sua realização fica comprometida. Tanto expectativas quanto autoeficácia formam o que chamamos de autoconceito. É ele que determina como o indivíduo atua na vida e também o que ele sente (MCMULLIN, 2005).
No caso da atenção, essa ocorre junto com a situação, ou seja, é ela que nos leva a perceber ou não o que ocorre. É como assistirmos uma cena de um filme, cada pessoa focará sua atenção em um determinado ponto. De acordo com McMullin (2005, p. 48) “O que nos afeta, no ambiente, é aquilo que nosso cérebro nos diz para prestar atenção”. Já a memória seletiva atua buscando experiências semelhantes já ocorridas na vida do individuo para assim, saber como agir diante do evento. Vale ressaltar que a memória não é exata, pois quando nos lembramos do passado, o recriamos de acordo com nossa percepção baseada no presente. Uma frase do escritor Gabriel García Márquez que retrata bem essa parte, diz o seguinte: “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para conta-la”.
            Outra influência é a necessidade que o ser humano tem de atribuir uma causa ao que acontece a ele. Se esta causa não é encontrada, ele a cria, mas nem sempre condiz com o que realmente é, dificultando assim, resolver o problema.
Não nos damos conta, mas entre uma emoção e um comportamento, sempre avaliamos a emoção antes de agirmos. E quanto mais negativa a avaliação em relação à emoção sentida, mais baixa será a capacidade de tolerância do individuo. O que determina a motivação do individuo em relação à situação ocorrida é o tipo de avaliação que fazem da emoção, caso essa avaliação seja negativa, o individuo terá dificuldades em lidar positivamente com o comportamento. Além da avaliação, temos também o que é chamado autoinstrução, que atua da mesma forma que a anterior, mas funciona como um professor interno. A autoinstrução é a forma encontrada pelo individuo, ainda enquanto criança, de lidar com determinadas situações da forma que ele acredita ser a mais adequada. O importante é perceber que tipo de conteúdo essa voz passa e qual o contexto em que ele é aplicado. Por exemplo, se uma pessoa que visa mudar os hábitos alimentares, tiver um professor interno crítico que diz: “Não está adiantando nada a reeducação alimentar”, a pessoa pode acabar desistindo do objetivo de emagrecer; já uma pessoa com o professor interno muito permissivo, pode pensar: “não tem problema abusar dos doces no final de semana, afinal é só dessa vez”.
Outra que também costuma atuar junto é a cognição oculta, que o individuo dificilmente reconhece, pois atua extremamente rápido e como consequência acaba agindo como se não tivesse escolhas. O individuo acaba relatando o seguinte: “Estava tão ansiosa que acabei me entupindo de sorvete” (MCMULLIN, 2005).
            Além de todas as influências anteriores que o pensamento sofre, ainda tem o estilo explicativo que está relacionado com a percepção geral que o individuo tem acerca da situação. É a forma que o individuo encontra para explicar o ocorrido e que também serve para compreendermos como o individuo atuará em situações futuras. Segundo Seligman (1975,1994, 1996, apud MCMULLIN, 2005) existem três categorias de estilo explicativo pessimista:
ü  Interno x Externo
ü  Estável x Instável
ü  Global x Específico
Os três tipos considerados desfavoráveis são: o interno, que está relacionado com o próprio indivíduo, ou seja, responsabiliza a genética ou sua personalidade com o problema. O estável está relacionado ao tempo de permanência do problema, que é percebido como duradouro e o global que acaba percebendo a situação de forma generalista, não vendo a situação como algo específico.
Diante do que foi visto até o momento, fica claro que as técnicas não são receitas de bolo como muitos ainda acreditam. E que outros fatores devem ser levados em consideração na hora da aplicação de uma técnica, para que a mesma tenha o resultado esperado.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Terapia Cognitivo-comportamental - TCC

No texto anterior, abordei o olhar sobre o corpo e sobre a alimentação. Neste texto, o objetivo é informar como surgiu a terapia cognitivo-comportamental e como esta pode auxiliar não só no que se refere ao emagrecimento, como também em variadas questões.
O olhar sobre a cognição nasceu a partir do questionamento existente a respeito de como a psicanálise e a abordagem comportamental lidavam com o problema da depressão. Na década de 60, tais questionamentos fizeram que alguns profissionais dessas abordagens buscassem nos processos cognitivos a explicação para os transtornos psicológicos. Nessa mesma década, Aaron Beck, ainda psicanalista, conduziu experimentos e observações clínicas, na qual se pensava na depressão como sendo uma raiva voltada para dentro. De acordo com Beck, os sonhos estavam associados à depressão, porém percebeu que os mesmos conteúdos presentes nos sonhos, estavam também presentes nos pensamentos dos pacientes. Tal conteúdo era sempre ligado à autocrítica, pessimismo e negatividade. Esta descoberta foi de grande importância para o surgimento da Terapia Cognitiva (PADESKY, 2010).
A partir daí, Beck passou a associar a depressão a padrões negativos de pensamento, levando ele a criar o Beck Depression Inventory (Inventário de Depressão de Beck – BDI), sendo este aperfeiçoado ao longo do tempo, passando a apontar também mudanças na motivação e no funcionamento físico. Além disso, é considerada a escala mais usada para mensurar a depressão (PADESKY, 2010).
Com isso, a Terapia Cognitiva (TC) foi cada vez mais se desenvolvendo e conquistando espaço no meio acadêmico. Segundo Knapp (2004), a Terapia Cognitivo Comportamental envolve mais de vinte abordagens terapêuticas, mas independente das diferenças que possam ocorrer, existem características comuns entre elas:
-  Estão ligadas ao fato de considerar o comportamento como sendo influenciado pela cognição;
-  Que a cognição pode ser monitorada e modificada;
-  Que o comportamento desejado pode ser conseguido a partir da mudança de pensamento.
A TCC de Beck, inicialmente foi desenvolvida para o tratamento da depressão e atualmente pode ser aplicada em uma série de outros transtornos e/ou áreas. O foco do trabalho terapêutico está em identificar e reparar padrões de pensamentos disfuncionais por meio do levantamento de hipóteses que serão confirmadas ou não ao longo do processo. Segundo TEIXEIRA (2004, p.302) “As origens dessas distorções vêm de erros decorrentes da organização cognitiva individual que as pessoas desenvolvem ao longo do curso da vida.” Dessa forma, a terapia cognitiva está pautada na relação entre pensamento, emoção e comportamento, levando em consideração que não é a situação ocorrida que ativa os sentimentos, mas sim o que pensamos acerca da situação. Quando tais pensamentos são disfuncionais, suscitam sentimentos considerados negativos, podendo ocorrer dificuldade na adaptação do individuo em seu meio. 
Burns (1989 apud Knapp, 2004, p.20) “Nós sentimos o que pensamos” e por mais simples que pareça, não é bem assim. Freeman et al (1990 apud Knapp (2004, p.20) ressalta o seguinte:
“Mas a TC não é um modelo linear em que “as situações ativam pensamentos, que geram uma consequência com resposta emocional, comportamental e física”. Há uma interação recíproca de pensamentos, sentimentos, comportamentos, fisiologia e ambiente. É reconhecido que as emoções podem influenciar os processos cognitivos e que os comportamentos também podem influenciar a avaliação de uma situação pela modificação da própria situação ou por evocar respostas de outras pessoas”.

Na terapia cognitiva, quando se fala em cognição, é necessário apontar que identificamos e trabalhamos com três níveis de cognição. São eles:
-  Pensamentos automáticos;
-  Pressupostos subjacentes ou crenças intermediárias;
-  Crenças nucleares ou centrais.
De acordo com a figura abaixo proposta por Knapp (2004), é possível perceber como são organizados os níveis de cognição. Os pensamentos automáticos estão ligados às crenças intermediárias que por sua vez estão ligadas as crenças nucleares ou centrais.



Os pensamentos automáticos como o próprio nome já diz, são os pensamentos que vem automaticamente à mente, de maneira rápida e que muitas vezes não são percebidos por quem os tem. Quando tais pensamentos são disfuncionais, eles atuam em cima das emoções e do comportamento do indivíduo, podendo vir em forma de pensamentos ou também em forma de imagens. Os pensamentos automáticos podem ocorrer através de situações internas, como por exemplo, um enjoo, ou externas, como por exemplo, alguém não retribuir uma saudação. Segundo Beck, “você pode aprender, no entanto, a identificar seus pensamentos automáticos prestando atenção às suas mudanças de afeto” (1997, p.30).
Os pensamentos automáticos podem ser de três tipos: Beck (1995 apud Knapp (2004, p.25) 
1.      Distorcidos, ocorrendo apesar das evidencias em contrário. 
Ex.: “Se me separar, nunca mais serei feliz”. 
2.      Acurados, mas com a conclusão distorcida. 
Ex.: “Meu filho não me telefonou até agora, deve estar incomodado comigo”. 
3.      Acurados, mas totalmente disfuncionais. 
Ex.: “Com essa lesão articular, a vida perdeu a graça, pois nunca mais poderei jogar tênis”.

Os pressupostos subjacentes ou crenças intermediárias como também são conhecidos influenciam os pensamentos automáticos e são influenciados pelas crenças centrais. Referem-se a padrões, atitudes, normas e regras impostas pelo individuo em situações vividas no dia a dia e estão sempre associadas a uma condição, que sendo seguida á risca, transcorre tudo maravilhosamente bem. O não cumprimento dessas crenças intermediárias pode ocasionar na ativação das crenças centrais negativas (KNAPP, 2004).
Segundo Beck (1997, p.32), “Em uma situação específica, as crenças subjacentes da pessoa influenciam sua percepção, que é expressa por pensamentos automáticos específicos à situação. Esses pensamentos, por sua vez, influenciam as emoções da pessoa”.
Exemplificando, vamos supor que uma pessoa tenha uma crença central de fracasso (falaremos sobre crenças centrais mais a frente) e tenha uma crença intermediária do tipo “tenho que ser o melhor em tudo que faço”. Percebem que existe uma condição? Caso ele não seja o melhor, sua crença central poderá ser ativada, ou seja, ele se achará um fracassado.
As crenças nucleares ou crenças centrais são formas de cognição mais internalizadas, consideradas verdades absolutas, percebidas de maneira rígida e generalizada pelo individuo, pois estão relacionadas às construções adquiridas na infância sobre a própria pessoa, o outro e sobre o mundo. Tais construções são fortalecidas ao longo dos anos, no qual servem de modelo para a interpretação de eventos ocorridos, formando o jeito psicológico de ser de cada um.
Beck (1995 apud Knapp, 2004, p.23) apresenta três agrupamentos de crenças disfuncionais:
1.      Crenças nucleares de desamparo (crenças sobre ser impotente, frágil, vulnerável, carente, desamparado, necessitado).
2.      Crenças nucleares de desamor (crenças sobre ser indesejável, incapaz de ser gostado, incapaz de ser amado, sem atrativos, imperfeito, rejeitado, abandonado, sozinho).
3.      Crenças nucleares de desvalor (Crenças sobre ser incapaz, incompetente, inadequado, ineficiente, falho, defeituoso, enganador, fracassado, sem valor). 

Associado as crenças centrais estão os esquemas. A diferença entre eles é 
que as crenças centrais são o conteúdo e os esquemas são as estruturas. Segundo Beck (1964,1967 apud Knapp, 2004, p.23)
“Esquemas são estruturas internas de relativa durabilidade que armazenam aspectos genéricos ou prototípicos de estímulos, idéias ou experiências, e também organizam informações novas para que tenham significado, determinando como os fenômenos são percebidos e conceitualizados.”

                Os esquemas primitivos mal adaptativos também são construídos a partir de interações disfuncionais com pessoas importantes na vida inicial do indivíduo. Os esquemas são compostos de cognições, memórias e sensações corporais vivenciadas pelo individuo e por sua interação com o outro, que servem como molde para o processamento de experiências.
Tais esquemas são considerados verdades absolutas, difíceis de modificar sem o trabalho terapêutico, estando também associados a um grande nível de afeto quando ativados (raiva, ansiedade, culpa ou tristeza), o que facilita a visualização do esquema, possibilitando o confronto e a modificação do mesmo (YOUNG, 2003)
Estes esquemas são desencadeados quando existe alguma mudança negativa na vida do indivíduo. Além disso, são autoperpetuáveis, ou seja, para que se mantenham, já que são resistentes à mudança, recorrem a três formas de atuação visando o reforçamento do esquema. Segundo Young (2003) e Knapp (2004) os processos de um esquema são:
-  Manutenção do esquema: são utilizados o pensamento e o comportamento de forma a reforçarem o esquema. Age de acordo com uma profecia auto realizadora, pois o indivíduo atua de maneira a fazer que o esquema se mantenha. Além disso, algumas distorções cognitivas estão presentes, entre elas estão: maximização, minimização, abstração seletiva e generalização.
-  Evitação do esquema: como o próprio nome já diz, o indivíduo busca evitar que o esquema seja ativado. Pode ocorrer através da evitação cognitiva, no qual o indivíduo bloqueia pensamentos ou imagens referentes ao esquema. Na evitação afetiva, o indivíduo bloqueia os sentimentos, sendo muito comum relatarem não sentir nada em situações que gerariam emoções na maioria das pessoas e por fim, a evitação comportamental que está associada ao fato do individuo evitar situações que possam desencadear o esquema.
-  Compensação do esquema: Atuam tanto de forma cognitiva quanto comportamental e acabam atuando no polo oposto ao esquema. Por exemplo, se a pessoa tem um esquema de desconfiança, acaba confiando em todos. Muitas vezes é considerado de forma funcional, pois o individuo atua de maneira a atender as necessidades, porém acaba não dando certo, pois tudo precisa de um equilíbrio, que está ausente neste processo. 
Como podemos ver, a TCC é uma abordagem terapêutica diretiva e semiestruturada que visa à resolução de problemas. Tanto terapeuta quanto cliente tem um papel ativo no desenvolvimento da terapia, estabelecendo metas e tarefas entre as sessões. O cliente aprende a ser seu próprio terapeuta, através do aprendizado adquirido no decorrer das sessões e também através do feedback presente na relação terapêutica, possibilitando assim, uma melhor resposta futura frente a adversidades que surjam. Durante o processo terapêutico, o cliente aprende através de técnicas específicas a identificar seus pensamentos e crenças disfuncionais buscando alternativas mais adaptáveis para sua vida.
Referente ao tempo de tratamento existe uma variação, Nos estudos feitos por Beck (1976, Abreu, 2004, p.284), a proposta seria de quatro a quatorze sessões semanais. Neste mesmo estudo, foi apontado que alguns clientes podem levar de 1 a 2 anos para modificar suas crenças e comportamentos disfuncionais. Em outro estudo realizado por Beck e Freeman (1993, Abreu, 2004, p.284) apontam que a melhora dos sintomas está associada à motivação do cliente e da possibilidade de resolução do problema.
Apesar de parecer uma abordagem simples, existem vários detalhes que devem ser levados em consideração. No texto a seguir veremos mais informações sobre a Terapia cognitivo-comportamental. Espero que tenham gostado até aqui. :)


Referências bibliográficas
PADESKY, Christine A. Aaron Beck – A mente, o homem e o mentor. Organizadores: LEAHY, Robert L et al. Terapia cognitiva contemporânea: teoria, pesquisa e prática. Porto Alegre: Artmed, 2010. p.19

KNAPP, Paulo. Princípios fundamentais da terapia cognitiva. Organizadores: KNAPP, Paulo et al. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004, p.19.

YOUNG, Jeffrey E. Terapia cognitiva para transtornos da personalidade – uma abordagem focada no esquema. Porto Alegre: Artmed, 2003.

BECK, Judith S. Terapia cognitiva – teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1997.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A relação com a comida

Além de compreendermos o processo do corpo historicamente como mostrado no texto anterior, é necessário compreender também como ocorreu a história da alimentação e como esta contribuiu no que se refere ao excesso de peso.
A falta esteve presente em muitos momentos da história, como por exemplo, na Idade Média, por conta da peste negra ocorrida na Europa Ocidental, na qual a fome esteve presente de forma devastadora. Dessa forma, a gordura passa a exercer um papel compensatório em nossa sociedade.
Segundo Freire (2011, P.454) “O passado colonial brasileiro revela uma “história de gente gorda”, em que a gordura era sinônima de formosura, tornando-se a base de sustentação para que a barriga do burguês viesse a significar status e prosperidade.”
O estudo sobre a comida e a forma de se alimentar deu inicio com a segunda geração da Escola dos Annales, movimento historiográfico fundado por Lucien Febvre e Marc Bloch, na qual a comida era percebida como um dos aspectos importantes relacionados a sobrevivência humana, juntamente com a habitação e o vestuário, passam a ser vistos como manifestações sócio-culturais de uma época. No que se refere à alimentação, percebem o compartilhar como forma de transmissão de valores, na qual “o que se come é tão importante quanto, quando, onde, como e com quem se come.” (FREIRE, 2011, p.455)
Já a história do restaurante está relacionada com o bem estar, a partir do momento que tem sua origem em pequenos estabelecimentos, com a finalidade de cuidar da saúde através da venda de sopas restauradoras, que eram servidas as pessoas enfraquecidas, daí o nome restaurante, de restaurar.
Outro fator importante encontrado em relação ao ato de comer refere-se a função de compartilhar afetos e costumes. A partir do momento em que a família se reúne em torno da mesa, a transmissão de costumes e a preservação de uma cultura acontecem, a partir daí, a crença de que a cozinha é a melhor parte da casa passa a existir.
O encontro que antes ocorria no momento da refeição passa a ser um evento raro. A pressa, fruto dos tempos pós-modernos passa a influenciar na maneira das pessoas se relacionarem com a comida e com a forma de comer. Aliado a isso, os fast foods passam a fazer parte do hábito alimentar do brasileiro (FREIRE, 2011).
As mudanças ocorridas nos padrões alimentares passam a olhar para o excesso de peso como uma epidemia global, sendo responsável por algumas doenças crônicas e a invalidez, mas vale considerar também os fatores causadores do desequilíbrio na pessoa, que são eles: genéticos, ambientais e patológicos.
De acordo com Freire (2011, p.459) “Entende-se que obesidade seja a situação em que o individuo apresenta uma quantidade de gordura maior do que a considerada normal”, lembrando que os padrões do que é normal e patológico estão em constante transformação. A OMS (Organização Mundial de Saúde) passou a considerar a obesidade como doença a partir de 1975 e para calcular se uma pessoa é obesa, a OMS escolheu o critério do Índice de Massa Corporal (IMC), no qual se calcula através da divisão do peso do corpo (kg) pela altura ao quadrado (m²); observando que quanto mais alto o IMC, maior é o risco de doenças. Sua classificação é feita da seguinte forma:
ü  18 a 24,9 - peso saudável (obesidade ausente);
ü  25 a 29,9 - grau de risco moderado (sobrepeso);
ü  30 a 34,9 - grau de risco alto (obesidade grau I);
ü  35 a 39,9 - grau de risco muito alto (obesidade grau II);
ü  Acima de 40 - grau de risco super alto (obesidade grau III – mórbida).
De acordo com os dados levantados pela SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), 51% da população brasileira está acima do peso, desse número, 3% são obesos mórbidos e 66% tem idade entre 18 e 25 anos. Esses dados mostram que a obesidade é um problema de saúde pública, não só visto como uma questão de estética. (FREIRE, 2011)
Freire (2011, p. 462) aponta que “A obesidade resulta de uma completa desordem do apetite e do metabolismo energético; por isso, é necessário ensinar a criança a se nutrir e não induzi-la a preencher vazios internos com comida”. Além de ensinar a criança a importância de uma alimentação saudável, existe a necessidade de um treinamento no reconhecimento das emoções, pois tanto adultos quanto crianças, principalmente crianças, tem dificuldades em reconhecer as emoções e relacioná-las com os pensamentos. (BUNGE, GOMAR, MANDIL, 2012)
Fatores que também acabam gerando um desiquilíbrio em relação a forma de comer está associado a falta de práticas físicas e ao frequente uso da televisão - eu incluiria também o uso do computador em excesso. Percebe-se a importância do ambiente nesse processo, pois as áreas de lazer estão cada vez mais escassas nos centros urbanos. Além disso, os pais acabam valorizando uma educação baseada no ter em detrimento do ser, que acabam favorecendo a um desequilíbrio alimentar. Os hábitos alimentares são aprendidos no seio familiar, ou seja, a família serve como modelo que será levado até a fase adulta. TOZATTO apud FREIRE abordando o conceito de “geracionalidade” no que se refere aos transtornos alimentares aponta que:

“(...) tais desordens podem ter um histórico calcado em um legado transgeracional. Nesse sentido, a família pode ser vista como um envelope psíquico, que inscreve a criança em uma cadeia geracional. Quando a transmissão de valores se dá no positivo, é chamada de legado geracional, que propicia o encadeamento da dinâmica da vida, sem omissões ou segredos, permitindo, que se de a importante apropriação da trama familiar. É a partir daí, então, que o individuo pode passar a ser Sujeito da sua própria história. Por outro lado, quando se esbarra em impedimentos e em traumas familiares, que trazem em si segredos, lutas, perdas ou vergonhas, o legado é chamado transgeracional, ficando encriptado e podendo chegar à geração seguinte em forma de fantasma. A ‘geracionalidade’ no modo como os membros da família se relacionam com o alimento, o qual, de acordo com premissa máxima, é uma forma de afeto.” (2011, p. 465)

Dessa forma, o que não é expresso ou compreendido claramente pode se manifestar através do corpo. Miller (2011, p. 24) afirma que:

O corpo é o guardião de nossa verdade, porque carrega em si a experiência de toda a nossa vida e cuida para que consigamos viver com a verdade de nosso organismo. Ele nos obriga, com ajuda dos sintomas, a admitir essa verdade, inclusive de forma cognitiva, de modo que possamos nos comunicar harmonicamente com a criança um dia maltratada e humilhada que vive em nós.

Os dados históricos vistos até o presente momento facilitam uma melhor compreensão de como este se relaciona com a história individual de cada um. Já nos dias atuais, com a importância pautada no ter, a mídia passa a influenciar na forma de consumo das pessoas. Tal consumo acaba sendo associado à obesidade, a partir do momento em que as pessoas buscam suprir suas faltas através dos excessos, levando cada vez mais a comportamentos compulsivos. Freire (2011, p. 465) aponta que “O momento tem a marca registrada dos excessos, e as doenças atuais são o reflexo dessa tendência ao exagero (...)”. E os excessos acabam apontando para uma falta de limites, que está associada a uma característica da vida atual.
Em relação aos sentimentos, nota-se que existe um tabu ao lidar com os sentimentos considerados desagradáveis, com isso, ocorre uma dificuldade em reconhecer e encontrar meios de lidar de maneira adaptativa na vida. Ligado a isso, o contato com vínculos estáveis, favorece a resiliência, que está ligado a forma do individuo superar as adversidades, que ocorrem de forma continua durante a vida. Se não existe o contato com vínculos estáveis, os fatores de risco aumentam. Nesse sentido, podemos compreender que o excesso de peso ocorre da seguinte forma: “o obeso tenta preencher o vazio com alimento, em uma tentativa insaciável de aplacar a angustia, em vez de atravessá-la” FREIRE (2011, p. 473).
Associando a importância de vínculos positivos com o ato de alimentar-se, Freire destaca que:

Acreditando que o alimento é uma forma de afeto, é possível entender que alguns desenvolvam uma relação doentia com a alimentação, exatamente pela impossibilidade de bem decodificar as mensagens, eventualmente duplas, que tenham recebido em sua primeira infância (2011, p.470).

            Diante do que foi apresentado até o momento, é possível perceber que não existe uma única causa para o excesso de peso, podem estar associadas a influências socioculturais e emocionais. Não esquecendo também dos fatores genéticos e psicopatológicos que podem desencadear o sobrepeso e/ou a obesidade.
Atualmente, por mais que existam publicações a respeito do tema, as pessoas buscam áreas isoladas para resolver o problema do emagrecimento. No entanto, a resposta para essa questão está na interação entre profissionais de variadas áreas - medicina, nutrição, educação física e psicologia - para que o resultado seja realmente eficaz e duradouro.
Nesse sentido, vale ressaltar que o objetivo do presente trabalho é apresentar alguns temas importantes na área da psicologia sob a ótica da terapia cognitivo-comportamental que devem ser levantados em programas cujo objetivo seja o emagrecimento.
            No texto a seguir, abordarei informações sobre a construção da teoria e prática da terapia cognitivo comportamental (TCC).


terça-feira, 25 de junho de 2013

Que corpo é esse?


Venho estudando sobre o tema emagrecimento e gostaria de compartilhar com todos os interessados um pouco do meu trabalho. Ao longo das semanas, postarei a continuação desse trabalho. Espero que gostem!
Esse texto tem como objetivo levantar uma reflexão sobre o corpo numa perspectiva histórica, visando compreender sua construção em relação ao emagrecimento até os dias atuais. 
Dessa forma, é importante ressaltar que o corpo foi inventado no século XX, a partir das observações feitas por Freud nos corpos exibidos por Charcot em Salpêtrière; A partir disso, viriam estudos sobre o inconsciente e como este se comunica através do corpo, em seguida viriam estudos sobre as somatizações; este último, levando a compreender o corpo como parte de sua formação enquanto sujeito. Cabe salientar que antes do século XX, o corpo era visto com um pedaço de matéria, ou seja, parte de uma engrenagem. (COURTINE, 2006)
A partir do século XX a saúde passou a ser percebida como sendo um direito do homem. Saúde esta, que coloca a medicina como sendo essencial à vida das pessoas, e o corpo passa ser a forma de demonstrar essa saúde. Segundo Moulin (2006, p.15):

A assim chamada medicina ocidental tornou-se não apenas o principal recurso em caso de doenças, mas um guia de vida concorrente das tradicionais direções da consciência. Ela promulga regras de comportamentos, censura os prazeres, aprisiona o cotidiano em uma rede de recomendações.

No período conhecido como Belle Époque, que compreende o final do século XIX e inicio do século XX, o pudor corporal vai dando indícios de seu fim. Antes as pernas não podiam ser mostradas e o corpo precisava ser escondido até no momento de fazer amor com o intuito de “não despertar pensamentos pecaminosos em relação à moral religiosa”. O corpo antes proibido de ser mostrado vai se revelando através da moda e do turismo. Inicialmente os maios eram inteiros e escuros, depois passam a ser claros e com listras, sempre com a intenção de esconder os corpos. A partir de 1930 as roupas de banho vão diminuindo. As mulheres passam a usar vestidos mais curtos e o espartilho dá lugar ao sutiã. Nesta mesma época a sexualidade antes apenas sugerida, passa a fazer parte dos filmes e cartazes.
Todas essas mudanças no guarda-roupa tiveram um reflexo na vida das pessoas. Segundo SOHN (2006, p.111-112)

Desde então, com efeito, que homens e mulheres não podem mais trapacear com o corpo, os cânones da beleza física se mostram muito exigentes. A partir da Belle Époque, o modelo do homem e mulher magros e longilíneos predomina. Com a nudez do verão, é necessário ainda por cima exibir músculos firmes. O recuo do pudor implica assim um novo trabalho sobre o corpo entre musculação e dietética incipiente. Mas é só depois, da década de 1960, que o regime passa a ser uma preocupação unanimemente compartilhada (...).

            É também a partir de 1930 que as cirurgias estéticas vão sendo procurada pelas mulheres e a musculação pelos homens. Na segunda metade do século XX é lançado o biquine, considerado um escândalo e um pouco mais tarde, 1964, as mulheres passam a tirar a parte de cima do biquine em nome da liberdade corporal.
            No que se refere à alimentação, esse discurso sempre fez parte da vida das pessoas, mas é a partir do século XX que ele toma a forma de prevenção, visando um indivíduo saudável. Por volta da segunda metade do século XX nasce um novo discurso dietético, no qual se faz necessário um profissional formado para essa prática. Inicialmente é a médica dieteticista, grupo este, formado em sua maioria por mulheres e que mais tarde passa a fazer parte das práticas sociais, formado por médicos especializados como “nutricionistas”. Essa área trabalha de maneira autônoma, oferecendo resultados rápidos e sem a ligação com o sistema médico. Ory (2006) destaca que:

Essa preocupação crescente das sociedades desenvolvidas, tendendo em certos indivíduos à ansiedade, ou até à obsessão, ainda mais quando combinada com o diagnóstico complexo, e de difícil tratamento, da anorexia, alimenta, logo, uma vulgata dietética sempre mais difundida e, em função dos avanços do conhecimento biológico, sempre mais sofisticados, como o comprova a passagem da temática da “celulite” à do “colesterol”, depois à distinção entre colesterol “bom” e “mau”, etc. (2006, p.164)

            Com as mudanças ocorridas nos campos cultural e econômico, os corpos passam a apresentar um modelo de saúde estando esguios facilmente encontrados na classe dominante e na classe média. Além disso, outro ponto a destacar é a mudança ocorrida no setor do trabalho, no qual a necessidade de esforço físico vai diminuindo a cada dia, provocando um aumento na obesidade. “O sobrepeso vai se tornar, na aurora do século XXI, uma preocupação ao mesmo tempo da “autoimagem” individual bem como de saúde pública (...)” (ORY, 2006, p.164).
            O saber dietético acaba se ampliando devido às revistas femininas e também ao modelo de magreza trazida pela boneca Barbie desenvolvida pela empresa Mattel. Concomitante a isso, na década de 60 a modelo Twiggy se torna ícone de beleza, deixando para traz os corpos curvilíneos da década de 50 representados pelas pin-up. O discurso do corpo esguio é apoiado pelos médicos como sinônimo de saúde, provocando um aumento de pacientes, tanto homens quanto mulheres para a melhora de sua forma física. (ORY, 2006)

            A seguir abordaremos a relação que o corpo tem com a comida, a partir do viés histórico do ato de se alimentar. (CONTINUA...)